Recente

Adolescentes e Anabolizantes

Introdução
        Durante as últimas cinco décadas, os esteróides anabolizantes foram usados por atletas de elite e fisiculturistas, que pretendiam aumentar a massa muscular e a força, e melhorar a resistência e a performance. Alguns estudos mostram um contínuo e progressivo aumento do consumo de anabolizantes esteróides e outras drogas, incluindo cafeína, anfetaminas, gonadotrofina coriônica humana, gama hidroxi butirato, hormônio de crescimento, hormônio tireoidiano e eritropoetina, entre adolescentes atletas e praticantes de atividade física sem finalidade competitiva.
        O aumento do consumo de anabolizantes no grupo de adolescentes que não busca a melhoria de rendimento, mas se preocupa com a imagem do corpo ideal, tornou-se um problema de saúde pública (1,13). Em 1973, a Academia Americana de Pediatria(2) publicou um consenso condenando o uso de anabolizantes, tanto para o aumento de massa muscular como para a evolução da performance em atletas competitivos. Nesta mesma publicação, foi ressaltado que não havia evidências confirmando a melhoria dos resultados em atletas adolescentes que usavam anabolizantes. O artigo também ressaltava o risco do uso de outras drogas, como anfetaminas, que produzem efeitos físicos estimulantes e quadros de dependência.

         Definição, Administração e Mecanismos de Ação
        Os anabolizantes-andrógenos esteróides (esteróides anabolizantes) são derivados sintéticos do hormônio sexual masculino, a testosterona. Possuem efeito anabólico (aumento da massa muscular) e androgênico (efeitos masculinizantes). Podem ser administrados por via intramuscular ou oral. A forma injetável é preferida, pois é menos hepatotóxica. Entretanto, a via oral tende a ter um clearence maior e, com isto, a ser eliminada mais rapidamente. Muitas vezes esta via de administração é preferida, caso o teste anti-doping seja antecipado; assim, corre-se menos risco da droga ser detectada.
        Normalmente são utilizadas as duas formas de apresentação, em ciclos que duram de 6-12 semanas. As doses são aumentadas em forma de pirâmide, de acordo com o ciclo, podendo atingir doses 10-40 vezes maiores que as indicadas para o tratamento clínico(1). Esta forma de administração é feita na tentativa de maximizar os receptores e diminuir os efeitos colaterais. No entanto, não há evidências científicas que comprovem este benefício.
        Os anabolizantes esteróides se ligam aos receptores andrógenos das células, estimulam a produção de RNA e, conseqüentemente, aumentam a síntese de proteínas. Os vários efeitos clínicos são determinados pelo tipo e concentração dos receptores andrógenos, e das enzimas que controlam o metabolismo esteróide. A estrutura dos receptores andrógenos dos músculos parece ser idêntica a de outros órgãos.
        Estas drogas parecem ter um efeito anti-catabólico, decorrente da inibição dos efeitos catabólicos dos glicocorticoides e da melhor utilização das proteínas. O ganho de força muscular promovido pelos anabolizantes decorre também do aumento do estado de agressividade e euforia, e da diminuição da sensação de fadiga percebidas durante os treinos(1,3,13).

        Prevalência
        O dados referentes à epidemiologia são muito variados na literatura, uma vez que os trabalhos são baseados em respostas voluntárias dos entrevistados, e não por meio de exames laboratoriais que possam detectar o uso dos anabolizantes.
        Em 1992, Smith and Perry(16) observaram que 5-11% dos meninos e 2,5% das meninas, em uma população de não atletas, na faixa etária 16-17 anos, usavam anabolizantes. Um outro estudo(8) mostrou resultados semelhantes na prevalência do uso de alguma substância considerada como doping, de 2,7% para o sexo masculino e 0,4% para o sexo feminino. Quando se levou em consideração a prática esportiva, não houve diferença significativa entre os atletas e o grupo que não praticava atividade física.
        Um fator muito preocupante é que a prevalência não vem diminuindo com o passar dos anos, e o consumo de anabolizantes não está restrito aos atletas competitivos preocupados com a evolução da performance. Cada vez mais aumenta o consumo destas drogas nas pessoas preocupadas com a perfeição da imagem de seu corpo, não se importando na maioria das vezes com os efeitos nocivos dessa prática.
        Foi descrita uma síndrome por psiquiatras americanos, denominada "Complexo de Adônis". Os pacientes com este diagnóstico apresentam um distúrbio de auto-imagem, imaginando-se fracos. Em decorrência, buscam de maneira obssessiva um aumento exagerado de massa muscular(11). Esta busca implica em horas excessivas de treinamento físico, dietas extravagantes e uso de substâncias que potencializam o ganho de massa muscular, entre elas os anabolizantes.
        Além disto, e o mais importante, é a correlação do uso de anabolizantes com outras drogas ilícitas e as alterações de comportamento que têm sido cada vez mais bem documentadas em grupos de adolescentes(1,3,5,6,7,12,13).
        Não temos dados que nos mostrem a prevalência do uso de anabolizantes e mesmo de seus efeitos colaterais no Brasil. Entretanto, estimativas norte-americanas mostram que 1 milhão de pessoas já usou ou está usando esteróide anabolizante, mas o número de indivíduos que apresentam sintomas mentais - suficientes para intervenção clínica -, é muito pequeno(17).

        Efeitos Colaterais
        As alterações mais encontradas decorrentes do uso de anabolizantes são: hepáticas, cardiovasculares, psiquiátricas e no sistema reprodutor. No entanto, não são conhecidos os efeitos colaterais tardios destas drogas. Bahrke et al.(3) acreditam que estes efeitos dependem da dose usada, do tipo de esteróide, da freqüência e da idade de início do uso.

        Alterações Hepáticas
        Níveis elevados das enzimas hepáticas têm sido relatados a partir do uso de anabolizantes, embora a prática de levantamento de peso isoladamente também possa provocar alterações nas enzimas hepáticas. Uma vez aumentadas, as enzimas hepáticas freqüentemente retornam ao normal, com o uso intermitente da droga. Este padrão intermitente é caracterizado pelo uso em ciclos semanais, intercalados por períodos de descanso(1,3). Quando o uso de anabolizantes persiste, independentemente do aumento dos níveis enzimáticos, pode ocorrer a evolução para colestase hepática(1,14), e em alguns casos, para hepatoma(3,9,14).

        Sistema Reprodutor
        Em usuários do sexo masculino, os anabolizantes provocam uma queda nos hormônios luteinizante e folículo estimulante, levando à diminuição da espermatogênese, alteração da morfologia dos espermatozóides e atrofia testicular. O uso contínuo do anabolizante pode levar à oligoespermia em 75% dos casos(10). Embora esse quadro possa ser revertido em 4 meses, a morfologia e a função dos espermatozóides só estarão normalizadas após 1 ano(10). Alguns efeitos feminilizantes, como a ginecomastia, podem ocorrer como conseqüência da transformação dos anabolizantes em esteróides(1,3,14).
        Nas mulheres, os anabolizantes têm sido associados a vários efeitos colaterais. Muitos destes podem ser irreversíveis, mesmo após a suspensão da droga(16). Entre os efeitos colaterais, são observados as alterações menstruais, a diminuição do tamanho das mamas e os efeitos virilizantes, como hirsutismo, voz mais grave e aumento do clitóris(3).

        Sistema cardiovascular
        Após 1-2 semanas de uso dos anabolizantes, alterações séricas das frações de lipídios já podem ser observadas. Há uma diminuição da concentração de lipoproteínas de alta densidade (HDL) e um aumento da concentração de lipoproteínas de baixa densidade (LDL). Alguns usuários podem apresentar índices pressóricos elevados pela retenção hídrica. Efeitos cardíacos, incluindo hipertrofia do miocárdio, infarto e morte súbita, têm sido correlacionados em vários estudos com o uso de anabolizantes(14).

        Alterações Psiquiátricas
        Entre 1930-1970, os anabolizantes foram usados com sucesso para tratamento de depressão, melancolia e algumas psicoses. Com o tempo, estas drogas foram substituídas por outras mais eficazes(3).
        Recentemente, em contraste com estes dados de décadas atrás, vários trabalhos científicos e a descrição de casos clínicos têm sugerido que alterações da personalidade e sintomas mentais, como psicose, mania, hipomania, esquizofrenia, alteração do humor, irritabilidade, hostilidade, confusão e esquecimento, podem estar associados ao uso de anabolizantes. Estas alterações são observadas em atletas recreativos ou profissionais que fazem uso da droga, com o objetivo de melhorar a performance ou o aspecto físico(1,3,5,6,7). Os efeitos dos anabolizantes no comportamento são variáveis e transitórios, e podem estar relacionados com o tipo e a dose do anabolizante(8,13).
        Os adolescentes que moram sozinhos, que treinam musculação, fumam e têm história de consumo de álcool em altas doses, pelo menos uma vez por semana, apresentam um maior risco para o consumo de anabolizantes ou outras substâncias, como cannabis, anfetamina, acido lisérgico (LSD) e opium (8).
        É importante que outros fatores têm que estar presentes para desencadear essas alterações, como história prévia de sintomas mentais, suscetibilidade genética para o vício ou desordens mentais, além do próprio meio ambiente(3).

        Alterações na cartilagem de crescimento
        Há especulações de que o uso de anabolizantes também possa interferir no crescimento do adolescente, sobretudo na diminuição de sua altura final, por provocar o fechamento precoce das cartilagens de crescimento. É importante ressaltar que este efeito ainda não foi bem estudado, que são ainda poucos os trabalhos correlacionando os efeitos tardios dos anabolizantes no crescimento e desenvolvimento(1,15).

        Conclusão
        O consumo de anabolizantes e substâncias estimulantes tem aumentado entre os adolescentes, de ambos os sexos. A taxa de prevalência em meninos está entre 4% - 12%, e em meninas, entre 0,5% - 2%(1).
        Apesar dos efeitos colaterais precoces dos anabolizantes (alterações hepáticas, do sistema reprodutor e cardiovascular, dos níveis séricos de lípides, além de alterações do humor e comportamento) terem sido bem estudados, ainda são poucos os conhecimentos com relação aos efeitos colaterais tardios(3).
        Alguns trabalhos mostraram uma significativa associação entre os adolescentes usuários de anabolizantes e o uso prévio de cocaína, drogas injetáveis, álcool, maconha e tabaco(1,8). Estes achados reforçam a necessidade de identificar os grupos que usam os anabolizantes, por outras razões que não a melhoria da performance e da aparência física.
        O uso de anabolizantes faz com que esse grupo de adolescentes fique cada vez mais distante dos verdadeiros objetivos do esporte ou da atividade física, que são o lazer, a prevenção de doenças que possam se manifestar na idade adulta e a promoção de um melhor desenvolvimento e crescimento.

Por:
Dra. Ana Lucia de Sá Pinto
Pediatra e Médica do Esporte. Pesquisadora do Ambulatório de Medicina Esportiva da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da USP
Dra. Fernanda R. Lima
Reumatologista e Médica do Esporte. Chefe do Ambulatório de Medicina Esportiva da Faculdade de Medicina da USP
Referências Bibliográficas
1. American Academy of Pediatrics, Committee on Sports Medicine. Adolescents and Anabolic Steroids: A Subject Review. Pediatrics. 99:904-913, 1997.
2. American Academy of Pediatrics, Committee on Sports Medicine. Drugs and Sports. Pediatrics. 52:460-461, 1973.
3. Bahrke, M. S., C. E. Yesalis, A. N. Kopstein, J. A. Stephens. Risk factors associated with anabolic-androgenic steroid use among adolescents. Sports Med. 29:397-405, 2000.
4. Brower K. J. Anabolic-steroids: Addictive, psychiatric and medical consequences. Am. J. Addict. 1:100-114, 1992.
5. Copeland, J., R. Peters, and P. Dillon. Anabolic-androgenic steroid use disorders among a sample of Australian competitive and recreational users. Drug Alcohol Depend. 60:91-96, 2000.
6. Gruber, A. J., and H. G. Pope Jr. Compulsive Weight Lifting and Anabolic Drug Abuse Among Women Rape Victims. Compr. Psychiatry. 40:273-277, 1999.
7. Gruber, A. J., and H. G. Pope Jr. Psychiatric and Medical Effects of Anabolic- Androgenic Steroid Use in Women. Psychoter. Psychosom. 69:19-26, 2000.
8. Kindlundh, A. M. S., D. G. L. Isacson, L. Berglund, and F. Nyberg. Factors associated with adolescent use of doping agents: anabolic-androgenic steroids. Addiction. 94:543-553, 1999.
9. Lamb, D. R. Anabolic steroids in athletics: how well do they work and how dangerous are they? Am. J. Sports Med. 12:31-38, 1984.
10. Lund, B. C., and P. J. Perry. Androgenic Anabolic Steroids: An Overwiew for Clinicians. Medscape Pharmacotherapy. 2000.
11. Morgan, J. F. from Charles Atlas to Adonis complex - fat more than a feminist tissue. Lancet. 356:1372-1373, 2000.
12. Neumark-Sztainer, D., M. Story, N. H. Falkner, T. Beuhring, and M. D. Resnick. Sociodemografic and Personal Characteristics of Adolescents in Weight Loss and Weight/ Muscle Gain Behaviors: Who is Doing What? Prev. Med. 28:40-50, 2000.
13. Porcerelli, J. H., and B. A. Sandler. Anabolic-Androgenic Steroid abuse and Psychopathology. Psychiatr. Clin. North Am. 21:829-833, 1998.
14. Sachtleben, T. R., K. E. Berg, B. A. Elias, J. P. Cheatham, G. L. Felix, and P. J. Hofschire. The effects of anabolic steroids on myocardial structure and cardiovascular fitness. Med. Sci. Sports Exerc. 25:1240-1245, 1993.
15. Shahidin, T. A review of the chemistry, biological, action and clinical applications of anabolic-androgenic steroids. Clin. Ther. 23:1355-1390, 2001.
16. Smith, D. A., and P. J. Perry. The efficacy of ergogenic agents in athletic competition. Part I: androgenic-anabolic steroids. Ann. Pharmacother. 26:520-528, 1992.
17. Yesalis, C., N. Kennedy, A. Kopstein, et al. Anablic-androgenic use in the United States. JAMA. 270:1217-1221, 1993.
Fonte: Movimento.med.br

Nenhum comentário