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O sedentarismo é gentil, para vence-lo é necessário subverter regras

Para se mexer mais, é preciso subverter as regras

Você sabe onde ficam as escadas do prédio do seu médico? Não me refiro às rolantes. Nos edifícios mais modernos, é comum que os degraus que a gente sobe erguendo os joelhos fiquem atrás de uma porta corta-fogo, às vezes perto de um banheiro, sinalizada como saída de emergência. Dá pra interpretar assim: só suba essas escadas em caso de emergência. Em situações normais, vá de escada rolante ou elevador.

Parece que, nesses lugares, a regra é se mexer pouco. Você entra no estacionamento de carro, e quem estaciona é o manobrista. Sobe de elevador, senta-se na sala de espera, depois senta-se na cadeira do consultório. No caminho de volta, mais comodidade. Se você quiser ficar de pé na sala de espera ou diante do médico sentado atrás da escrivaninha, é claro que irão achar esquisito e vão desconfiar que você não é boa pessoa. Recusar cadeira é falta de respeito. Ou não?

Só sei que me sinto um pouco rebelde quando vou para a terapia de bicicleta. Pra começar, burlo a regra do trânsito quando ando pela calçada e na contramão pra evitar meu atropelamento. Ao entrar no estacionamento de carros, tenho de escolher se passo pela beirada da cancela diante do olhar feio do moço que controla a entrada de motoristas ou se invado a passagem destinada aos pedestres, sob o mesmo olhar feio do mesmo moço.

Depois de trancar a bicicleta no estacionamento de motos, venho caminhando por entre os carros até as cancelas. (Ali dentro, mesmo como pedestre me sinto invadindo uma área que não foi feita para mim, mas para os carros.) Depois das cancelas, existe um caminhozinho que leva até os elevadores (com uma tímida porta corta-fogo ao lado), com faixa de pedestres e tudo. Mas mais uma vez burlo a regra e desvio pela saída dos carros até a calçada, para então subir a curta escadaria da fachada do prédio e adentrar a recepção. E, na recepção, sou a única descabelada vestida com trajes esportivos. Ainda bem que deixo o capacete no alforje da bicicleta, senão ele seria mais uma ousadia no ambiente.

A oportunidade de ficar paradinho sem se mexer é oferecida a você, cliente, como uma gentileza, um cuidado com seu bem-estar. Você não precisa nem esterçar o volante; nós estacionamos para você. Sente-se por favor e aceite um café. É só aguardar. E desde quando ficar sentado numa cadeira assistindo ao programa da loira na TV é cuidado com o seu bem-estar?

Admito que a ideia que me ocorreu outro dia é um tanto absurda. Nenhum consultório médico acharia razoável colocar esteiras ergométricas na sala de espera nem disponibilizar cordas para pular no quintal enquanto a fila anda. Até porque as pessoas chegariam suadas demais à consulta. Mas não me parece tão absurdo subverter algumas convenções em nome de um metabolismo um pouco mais ágil.

Um exemplo é falar com o gerente do banco de pé. Ele pode ficar sentado se quiser, mexendo no computador enquanto fala com você, mas você pode muito bem falar com ele sem sentar. Afinal, você já ficou sentado na ala de espera e está descansado. Eu fiz isso nas últimas idas ao banco, e o gerente estranhou, mas e daí? Acho até que o atendimento termina mais rápido desse jeito, o que é uma baita contribuição para o próximo da fila.

Eu andei lendo que ficar de pé é um jeito de gastar mais energia sem fazer exercício. Existem até umas pessoas muito subversivas nos Estados Unidos mandando fazer escrivaninhas mais altas para trabalhar de pé. E outras pessoas ainda mais ousadas deram um jeito de colocar a escrivaninha numa esteira. Bem, eu não arriscaria passar o dia todo de pé e aumentar minha chance de ter varizes. Há criatividade para tudo nesse mundo, e não acredito que a moda vá chegar aqui. Mas uma alternativa bastante interessante para a rotina sedentária nos escritórios é fazer reuniões a pé. Caminhando. Talvez isso seja inviável para grupos de mais de quatro pessoas, mas acredito que funcione bem para reuniões curtas de duas ou três pessoas. O fluxo de ideias deve ser diferente quando caminhamos.

Já experimentou paquerar caminhando? E pedalando? Acho mais interessante do que numa mesa de bar. É outra emoção. Você se refresca com a paisagem, vê coisas inesperadas pelo caminho e quem sabe inventa umas aventuras de última hora. As oportunidades de aproximação ficam bem menos óbvias, porque você está em movimento, e a outra pessoa também. Cada um no seu ritmo, ou no mesmo, se houver sintonia. Mas você tem de estar desencanado de usar roupas muito refinadas. Tem de estar confortável.

Aliás, certas roupas também nos induzem a ficar parados. Não gosto de peças muito estruturadas, com tecidos duros, que me prendam os movimentos. Dificulta até sentar direito. Acho curioso quem bota jeans e salto alto até no final de semana, pra fazer compras. Vai andar rápido e desviar da multidão como? Só no shopping mesmo. Pra fazer compras no centro tem de ser de tênis no pé.

Uma rotina ativa é coisa de gente que não se rende a todas as comodidades. Subir de escada, sair da frente da TV, ir a pé ou de bicicleta, isso tudo são maneiras de se movimentar mais e gastar um pouco mais de energia. Isso a gente sabe. A questão é como fazer isso num contexto em que o esperado é estar sempre "bem vestido", perfumado, penteado e seguindo o fluxo, e quem menos transpira tem mais status. Eu não tenho a resposta. Quer oferecer a sua?

por FRANCINE LIMA

Fonte: Revista Época.com 

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