Recente

A característica psicológica ‘concentração’ no contexto desportivo

Introdução

    As características psicológicas e o seu desenvolvimento são determinantes para o sucesso desportivo. Entre essas características, aquela que nos parece ser uma das mais referida por treinadores como sendo pouco desenvolvida, é a concentração. A concentração, é muitas vezes o motivo pelo qual o atleta não consegue obter êxito na execução do gesto técnico. No entanto, para elevar os níveis de concentração dos atletas são utilizadas diferentes estratégias entre técnicas aliadas ao desporto e técnicas específicas desenvolvidas fora destes contextos que procuram igualmente uma performance máxima de concentração.
    Segundo William James (1999 in Weinberg & Gould, 1999), a concentração é a capacidade de estar com atenção, permitida pela mente. Para este autor, a focalização e a concentração são a essência da atenção. No entanto, esta definição apenas refere um dos aspectos da concentração, que é a atenção selectiva. Para Solso (1995 in Weinberg & Gould, 1999), a concentração no desporto, define-se em três partes: focalização das sugestões relevantes do envolvimento (atenção selectiva), manutenção da focalização da atenção durante um período de tempo longo e, conhecimento da situação. A concentração, pode explicar-se como uma intensa actividade mental, dirigida a um sector delimitado da nossa actividade. Permite a um jogador, actualizar as aprendizagens realizadas com antecedência, e “bloquear” aquelas que não têm a ver com o objecto da actividade que se está a desenvolver. Alguns autores entre os quais Nideffer (1993) que a atenção é um aspecto vital para a prestação desportiva. Este autor, considera que os desportistas podem ser descritos com base na sua capacidade selectiva de atenção ou nos estilos de atenção que demonstram. A diferença centra-se no facto de cada um possuir os seus estilos tendo vantagens e inconvenientes. Desta forma, a capacidade de mudar o estilo da atenção voluntária e controladamente é muito importante para a performance do atleta. Assim sendo, consideramos a focalização da atenção como o aspecto mais importante da concentração. Essa focalização da atenção pode ser dividida em dois tipos de categoria: largura (geral ou restrito) e direcção (interna ou externa). A focalização da atenção restrita, ocorre apenas quando respondemos a uma ou duas sugestões. A focalização da atenção externa é directa a um objecto, como a bola, enquanto que a interna é direccionada para emoções. Desta forma, a concentração depende das distracções internas e externas do atleta. As internas incluem eventos passados, eventos futuros, fadiga e análise do mecanismo do corpo. As distracções externas, incluem factores visuais (Weinberg & Gould, 1999). A focalização da atenção permite ao jogador, uma percepção nítida da informação seleccionada. Quando um futebolista consegue gerir correctamente o seu nível de atenção, tende a perceber com total nitidez, as acções do jogo e inibir-se de qualquer outro estímulo, como por exemplo, as suas próprias preocupações (Carrascosa, 2003). Esse centralizar da atenção está definido, segundo Dosil (2004), em dois tipos de estímulos: (1) Estímulos dominantes, (2) Estímulos flutuantes. Estímulos dominantes são aqueles estímulos que ocupam a focalização principal do sujeito. Por exemplo no ténis, seria seguir a bola e o adversário. Estímulos flutuantes são aqueles que podem aparecer na situação em que se encontra o sujeito. Por exemplo, o público a falar.
    A atenção é um dos aspectos que distingue os atletas com mais sucesso dos atletas com menos sucesso. Para além de seleccionar a sua focalização, o atleta tem que estar igualmente preparado para manter essa focalização da atenção durante toda a competição. Esta manutenção da atenção focalizada, é mais um dos aspectos da concentração, que distingue favoravelmente os atletas de sucesso. No entanto, não se trata de uma tarefa fácil para o atleta e pode ser determinante. Por exemplo, num jogo de golfe ou numa corrida da maratona, que são competições de longa duração, a manutenção da concentração em níveis elevados é fundamental, na medida em que um único momento, pode ser determinante para vencer ou perder uma competição nestas modalidades. Um estudo realizado com atletas de futsal do Brasil (Adriano, 2003) procurou avaliar o nível de concentração dos atletas pré e pós treinos. Os resultados apresentaram um aumento da pontuação média dos testes pós treino em relação ao pré treino.
    Em suma, para melhorar a concentração, o treinador pode utilizar técnicas e exercícios em situação de treino, como por exemplo, a simulação, palavras sugestivas, estabelecimento de rotinas e planos pré – competitivos e competitivos. As técnicas devem ser realizadas durante os treinos
    O objectivo geral deste estudo é demonstrar os níveis da característica psicológica concentração em atletas pertencentes às modalidades de ginástica aeróbica, futebol, karaté e boxe, realizando uma comparação entre as modalidades colectivas e individuais, bem como entre os valores ao nível do género masculino e do género feminino.
As hipóteses que estudámos são as seguintes:
  • Existem diferenças significativas nos níveis de concentração dos desportistas relativamente à modalidade que praticam: ginástica, futebol, karaté e boxe.
  • Existem diferenças significativas nos níveis de concentração dos desportistas relativamente à modalidade que praticam: individual e colectiva.
  • Existem diferenças significativas nos níveis de concentração dos desportistas relativamente ao género: feminino e masculino.
Método


Amostra
    A nossa amostra é constituída por 55 desportistas dos quais, 33 pertencem ao género feminino e 22 pertencem ao género masculino, pertencentes a ginástica aeróbica, futebol, karaté e boxe.
Quadro 1. Amostra do estudo

 

Desporto

N


Teste
Ginástica aeróbica
11
Boxe
12
Karate
11
Futebol
21

Total

55
Instrumento

    O instrumento utilizado para avaliar a influência do jogo das mãos é a Prova Perceptiva e de Atenção de E. Toulouse & H. Piéron (1986). Este teste foi validado com três amostras de nível escolar e tem como objectivo avaliar a atenção concentrada em duas componentes – a velocidade e a exactidão. Tem sido muito utilizado em diferentes estudos, alguns dos quais, realizados na área da psicologia desportiva (Veiga, 1987; Veiga & Brito, 1988; Ferreira, 1990; David, 1991; Colaço, 1992; Brandão, 1993).
Variáveis

  • Variáveis Independentes
    • Modalidades estudadas: Ginástica aeróbica, Futebol, Karaté e Boxe.
    • Modalidade Colectiva ou Individual.
    • Género: Feminino e Masculino.
  • Variáveis Dependentes
    • A variável conceptual é a concentração: resultados obtidos no teste realizado.
Análise dos dados

    Após a aplicação do instrumento, procedemos à cotação do mesmo para efectuarmos o tratamento estatístico; recorremos à utilização da estatística de inferência comparativa (prova paramétrica ou, o seu equivalente não paramétrico). Foi considerada uma probabilidade de erro de 0.05 (habitual em estudos desta natureza). Recorremos às tabelas de referência de correcção deste instrumento e ao programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences).
Apresentação dos resultados
    A apresentação dos resultados é realizada em termos médios.
Comparação entre as modalidades estudadas
    Os resultados apresentados mostram que o valor médio entre cada desporto varia entre 195,2 no karaté e 225,7 na ginástica aeróbica. O boxe apresenta um valor muito semelhante ao Karaté com 196,5 e o futebol apresenta um valor de 211,6 ficando com um valor acima da média.
    Como podemos observar no quadro seguinte, apesar de obtermos valores no teste diferentes entre cada desporto, não encontramos diferenças estatisticamente significativas.
Quadro 2. Valores médios dos níveis de concentração nos atletas pertencentes às diferentes modalidades
  

Média

N

Desvio Padrão

Sig

Ginástica aeróbica
225,7273
11
65,12924
 

Boxe
196,5833
12
61,28541
 

Karate
195,2727
11
66,62145
,757

Futebol
211,6667
21
54,88837
 

Total
207,9091
55
60,16283
 
Comparação entre Desportos Individuais e Desportos Colectivos
    Em relação aos desportos individuais temos a ginástica aeróbica, o karaté e o boxe com 33 desportistas. O futebol é o desporto colectivo e conta com 22 desportistas.
Quadro 3. Valores médios dos níveis de concentração nos atletas relativamente aos desportos colectivos e individuais
 

Média

N

Desvio Padrão

Sig

Desporto individual
205,5882
34
64,89718
 

Desporto colectivo
211,6667
21
54,88837
,712

Total
207,9091
55
60,81522
 
Comparação entre o Género Feminino e o Género Masculino
    A nossa amostra é composta por 22 desportistas masculinos e 33 desportista femininos. Os resultados mostram um valor médio superior no género feminino com 216,7 relativamente ao masculino com 194,6. Apesar destes resultados, não encontramos diferenças estatisticamente significativas.
Quadro 4. Valores médios dos níveis de concentração nos atletas relativamente ao género
 

Média

N

Desvio Padrão

Sig

Masculino
194,6364
22
63,55616
 

Feminino
216,7576
33
57,05536
145

Total
207,9091
55
60,16283
 
Discussão dos resultados
    Em desporto federado, a concentração é fundamental para rentabilizar a performance do desportista ou da equipa. É considerada por todos os intervenientes no desporto como uma característica psicológica fundamental para a elevação da prestação desportiva.
Modalidades Desportivas
    No nosso estudo não encontramos diferenças estatisticamente significativas nas hipóteses estudadas mas encontramos resultados interessantes. Pensamos que a dificuldade em encontrar diferenças significativas pode estar relacionada com a aplicação de um teste mais estrutural e generalista e não específico para cada modalidade desportiva. Como refere Ruiz Perez (1999) os desportistas com mais experiência demonstram níveis mais elevados de atenção mas não demonstram essa superioridade em testes gerais. O resultado mais elevado em relação aos desportos estudados foi encontrado na ginástica aeróbica, seguido do futebol. O karaté e o boxe apresentam valores mais reduzidos.
Desporto Individual/Desporto Colectivo
    A nossa experiência, quer como atletas quer como treinadores diz-nos que os desportos individuais solicitam níveis mais elevados de concentração. No entanto, factores diversos como a duração da competição ou nível o competitivo, o escalão de competição ou o número de horas de treino influenciam a capacidade de atenção do desportista. O nosso estudo mostra-nos um desporto colectivo a superar dois desportos individuais. Isto pode ser explicado através da variável género e também do nível competitivo dos desportistas. De acordo com um estudo de Veiga (1997) existe uma relação positiva entre os níveis de atenção e o nível competitivo. Estes resultados também estão de acordo com um estudo de Mahl & Raposo (2007) realizado com futebolistas profissionais do Brasil onde foram encontradas diferenças nos níveis de concentração entre os atletas da 2ª divisão regional e da 1ª divisão nacional, tendo estes últimos, resultados mais elevados.
Género Masculino/Género Feminino
    Em relação à ginástica, as atletas estão no nível mais elevado a nível nacional e adicionalmente, pertencem todas ao género feminino. No nosso estudo, os valores mais elevados encontram-se ao nível do género feminino. Este é mais um factor que explica os resultados e que está de acordo com um estudo Bandeira (in Platonov, 2004) onde os atletas de alto nível em comparação com atletas de nível inferior, possuem uma maior actividade cognitiva que se manifesta numa atenção focalizada, sendo neste caso a actividade cognitiva muito superior no género feminino. O facto do futebol superar as modalidades do boxe e de karaté pode estar relacionado com os factores referidos anteriormente. A equipa de futebol é a actual campeã nacional e é constituída por desportistas do género feminino. O boxe e o Karaté tem competições de nível nacional mas sem obtenção de resultados tão positivos como no futebol e nestas modalidades, temos essencialmente desportistas do género masculino.
Referências bibliográficas
  • Adriano, N. (2003). Avaliando o nível de concentração e atenção de atletas de futsal através de testes pré e pós – treinamentos. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Ano 9, Nº 63. http://www.efeportes.com/efd63/teste.htm
  • Carrascosa J. (2003). Saber Competir. Claves para soportar y superar la presión. Madrid. Editorial Gymnos.
  • Dosil, J. (2004). Psicología de la actividad física y del deporte. Universidad de Vigo.
  • Rego, M. (1998). Motivação para a prática desportiva, Horizonte, vol. XIV, 81, pp. 22-26.
  • Mahl, A. C., Raposo, J. V. (2007). Perfil psicológico de prestação de jogadores profissionais de futebol do Brasil. Revista portuguesa de Ciencias do desporto 7(1), 80 – 91.
  • Nideffer, R.M. (1993). Attention Control Training. In, Handbook of Research on Sport Psychology, R.N. Singer, M. Murphey, and L.K. Tennant (Eds.)
  • Platonov, V. (2004). Teoria geral do treinamento desportivo olimpico. São Paulo.Editora Artmed. 2004.
  • Ruiz Perez, L. M. (1999). Rendimiento deportivo, optimizacion y excelência en el deporte. Revista de psicologia del deporte. 8(2), 235- 248.
  • Toulouse, E. & Piéron, H. (1986). Prueba Perceptiva y de Atención. Manual (3ª edición). Publicações de Psicologia aplicada, nº 20. Madrid.
  • Vanine, J. (2005). “Estudo das características psicológicas (área personalística) das atletas de futebol feminino nos contextos escolar e federado” Tese de mestrado, publicada. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa- Faculdade de Motricidade Humana.
  • Veiga, A, Colaço O. Brito A.(1997). Ansiedade, atenção e inteligência (factor g) na prestação desportiva em ginástica artística. In Educaçao Fisica : contexto e inovação (vol. II) 371 – 379 a. Marques A. Prista & A. Junior (eds ).
  • Weinberg, R. & Gould, D. (1999). Foundations of Sport and Exercise in Psychology Champaign, Illinois: Human Kinetics.

Fonte: Efdeportes.com | Retirado daqui |

Nenhum comentário