Recente

9 respostas sobre a progressão continuada

Entenda como funciona este sistema e por que ele vem gerando discussões.


A progressão continuada vem sendo motivo de polêmica entre pais, alunos, educadores e gestores escolares. Alguns dizem que eliminar a repetência é benéfico para o processo de aprendizagem; outros acreditam que a aprovação deveria ser baseada no mérito do aluno: se não aprendeu os conteúdos da série, não deve passar de ano. Como não há consenso, cabe a cada Secretaria da Educação decidir ou não pela progressão continuada. O Estado de São Paulo, por exemplo, implantou o sistema em toda a rede pública. Já a rede municipal do Rio de Janeiro chegou a adotá-la no Ensino Fundamental, mas voltou atrás, limitando-a aos anos de alfabetização. Mas, afinal, o que muda nas escolas que adotam a progressão continuada? Descubra a seguir.

O que é a progressão continuada?

A progressão continuada é um sistema que não prevê a reprovação do aluno ao final da série ou ano letivo. A ideia é que os estudantes que não atingirem o nível de conhecimento desejado recebam acompanhamento contínuo dos professores, de preferência paralelamente às aulas normais, como recomenda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Isto pode ser feito com aulas extras no contraturno, por exemplo. Para escolas que não têm salas disponíveis para estas atividades, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo propõe a interrupção das aulas por uma semana após cada avaliação, quando os alunos com dificuldades teriam aulas de recuperação. Enquanto isso, aos demais estudantes, seriam oferecidas outras atividades, como forma de diversificar o currículo.

Por que surgiu a progressão continuada?

"A implantação deste sistema, nos anos 60, surgiu como forma de combater os problemas da repetência e da evasão escolar, contribuindo para a melhoria da qualidade do ensino público", explica a professora Claudia Fernandes, coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Unirio. Pesquisas mostram que o aluno tende a ganhar mais quando o processo de aprendizagem não é interrompido. "A reprovação é uma medida pedagógica que pode ser usada quando o aluno tem baixa proficiência", explica o professor Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da USP. "Mas, por mais que o aluno repetente esteja abaixo do nível esperado, ele não está no grau zero de conhecimento. Ainda assim, no ano seguinte, ele não recebe o tratamento diferenciado que deveria - isso para não falar do rótulo de repetente".

Existe progressão em todas as escolas?

Em algumas redes públicas, como a estadual e municipal de São Paulo, a progressão continuada já é aplicada de forma obrigatória. Mas, na maioria das escolas brasileiras ainda prevalece a organização por séries: cerca de 41% das escolas estaduais urbanas adotam o regime de ciclos no Ensino Fundamental. São Paulo é o único Estado em que 100% das escolas públicas adotam o regime de ciclos; em outros Estados, como Bahia, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Tocantins, todas as escolas se organizam por séries; já em outros, como Paraná e Minas Gerais, há escolas com ambos os sistemas. Mesmo entre os Estados que adotam os ciclos, o número de etapas e a duração de cada uma podem ser diferentes.

Como o professor lida com alunos em diferentes níveis de conhecimento em um mesma série?

Esta é uma dúvida muito comum entre pais: se o aluno tinha dificuldades numa série, será capaz de acompanhar o conteúdo do ano seguinte? Como o professor conseguirá ajudar os estudantes que precisam de reforço sem atrasar os demais? Segundo a professora Claudia Fernandes, coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Unirio, isto já faz parte do trabalho do professor, pois é natural que os alunos aprendam em ritmos diferentes dentro da mesma série ou ciclo. Isto acontece especialmente durante a alfabetização: "Não podemos querer que em apenas um ano todas as crianças saiam lendo e escrevendo da mesma forma", diz a professora.

Ciclos ou séries?

"A grande diferença entre os dois modelos é que a organização em ciclos nasce da ideia de que nem todas as crianças aprendem do mesmo jeito, ao mesmo tempo", explica a professora Márcia Jacomini, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Geralmente, o sistema é organizado em períodos que duram de dois a quatro anos e, dentro de cada um destes ciclos de ensino, o aluno não pode ser reprovado. Já a educação seriada trabalha com a ideia contrária. "É uma construção do século XVIII, com os princípios e crenças daquele tempo tão longínquo: um ensino de massa para todos. Quem não conseguir aprender ao mesmo tempo e da mesma forma que os outros deve entrar de novo na fila", lamenta a professora Claudia Fernandes, coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Unirio.

Pesquisas mostram que a implantação dos ciclos atingiu o objetivo de diminuir as taxas de repetência e evasão escolar. Além disso, os ciclos evitam que o conteúdo fique segregado no curto período de um ano letivo. "Deveria existir um currículo com base mais longa. É isso o que muda com os ciclos: posso ensinar outro tipo de coisa, porque tenho mais tempo", afirma o professor Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da USP.

Na prática o que muda?

No Brasil, nas escolas que adotam oficialmente o sistema de ciclos, o que existe na prática é uma mistura entre este modelo e a organização em séries: se, por um lado, não há reprovação durante um período, por outro, o conteúdo e as avaliações ainda são baseados no ano letivo, assim como os livros didáticos, a organização dos professores e do currículo como um todo. Uma pesquisa da professora Márcia Jacomini, realizada em 2005 junto a pais e alunos de escolas públicas paulistas, mostrou que a maioria dos pais nem sabia o que era a organização em ciclos: a única diferença que era possível perceber é que, entre determinados anos, não havia reprovação. "Tivemos mais de cem anos de ensino seriado, e isto está muito presente na instituição escola e nas pessoas", completa a professora. Isto significa que, mesmo nas escolas que já adotam a progressão continuada, alguns aspectos importantes do sistema de ciclos não tiveram condições de ser implantados, como a avaliação contínua e a recuperação paralela. É por isso que, muitas vezes, se tem a impressão de que a progressão significa simplesmente que o aluno pode passar de ano sem aprender.

Progressão continuada x Aprovação automática

A diferença entre estes dois conceitos é que a progressão continuada não significa simplesmente ir para a série seguinte, como na aprovação automática. Sua implantação depende de um acompanhamento contínuo do aluno, com o oferecimento de aulas de recuperação, laboratórios de aprendizagem e reagrupamentos, por exemplo. "Quando isso não acontece, a criança não tem a mesma aprendizagem, mas é promovida ao ano seguinte. Lá, não é dado a ela o que ela precisa para aprender, o professor trabalha como se ela soubesse os conteúdos anteriores e a situação fica cada vez mais difícil", explica a professora Márcia Jacomini, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Por isso, temos alunos que chegam ao quarto, quinto ano sem saber ler e escrever. A progressão continuada demanda uma reestruturação do tempo, do espaço e do currículo escolar, inclusive com investimento financeiro maior na estrutura da escola e nas condições de ensino. É um sistema mais caro porque se propõe, na essência, a não deixar ninguém para trás."

Se não há reprovação, como faser com o que o aluno estude?

Uma das críticas mais frequentes ao sistema de progressão continuada é a de que, se o aluno souber que vai passar de ano de qualquer jeito, não terá motivação para estudar. O professor Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, discorda. "Minha experiência como professor de escolas públicas mostra que, quando chegamos com boas propostas, o aluno não vai perguntar se isso cai ou não na prova: ele vai fazer. O que acontece é que, muitas vezes, o professor não tem tempo ou motivação para desenvolver atividades que interessem aos alunos", diz. "Manter alunos motivados é ter uma boa relação com eles, é ter turmas menores para que o trabalho em sala seja menos impessoal. É ter uma escola bonita, com mobiliário adequado, bem cuidada", observa a professora Claudia Fernandes, coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Unirio. "Para isso, é necessário investimento político, pedagógico, econômico, cultural, entendendo educação para além das disciplinas tradicionais, valorizando as artes, a música, a literatura, os esportes", completa.

A progressão em números

A pesquisa "Avaliando o Impacto da Progressão Continuada nas Taxas de Rendimento e Desempenho Escolar do Brasil" mostra algumas diferenças entre as escolas que adotam séries e ciclos. Com base no Censo Escolar de 2006, os pesquisadores concluíram que, no Ensino Fundamental, as escolas que usam ciclos têm taxas de 9,2% de reprovação e 5,3% de abandono. Já as que usam séries têm 15,5% de reprovação e 9,1% de abandono. Isso significa que a progressão continuada cumpre um de seus objetivos: o de diminuir as reprovações e a taxa de evasão escolar.

Segundo esse mesmo estudo, a comparação entre o desempenho de alunos de sistemas seriados e em ciclos não apresenta diferenças significativas: os resultados da Prova Brasil de 2005 foram praticamente iguais para a 4ª série e, na 8ª série, os alunos do sistema seriado apresentaram desempenho ligeiramente maior. Ainda de acordo com a pesquisa, esta diferença pode ser reflexo do fato de, no sistema de ciclos, os alunos com menor rendimento terem menor probabilidade de abandonar os estudos. "Este resultado combate a idéia de que a qualidade de ensino piorou por causa da progressão continuada", diz a professora Márcia Jacomini,professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Por outro lado, ela também não é uma medida que melhora a qualidade de ensino. O que poderia contribuir para esta melhora é a organização em ciclos efetivamente, com todos os seus elementos."

Por Marina Pastore
Fonte: Abril.com.br

Nenhum comentário