Musculação: Ponto de Vista - Hipertrofia sarcoplasmática X miofibrilar
Existem basicamente dois tipos de hipertrofia:
sarcoplasmática e miofibrilar.
A primeira é muito vista em fisiculturistas e atletas que treinam com repetições mais elevadas (maiores que 10), sendo uma de suas características básicas o aumento de volume com pequeno aumento de força, desta forma fica claro que a hipertrofia sarcoplasmática se manifesta em um aumento do líquido e demais organelas do sarcoplasma, que não as miofibrilas. Já a hipertrofia miofibrilar é mais vista em levantadores de peso, os quais treinam com repetições mais baixas (normalmente abaixo de 6), este tipo de hipertrofia manifesta-se morfologicamente como um aumento da densidade miofibrilar (aumento do tamanho do volume das miofibrilas) sem um aumento correspondente das demais organelas, desta forma há um ganho mais significativo de força.
A primeira é muito vista em fisiculturistas e atletas que treinam com repetições mais elevadas (maiores que 10), sendo uma de suas características básicas o aumento de volume com pequeno aumento de força, desta forma fica claro que a hipertrofia sarcoplasmática se manifesta em um aumento do líquido e demais organelas do sarcoplasma, que não as miofibrilas. Já a hipertrofia miofibrilar é mais vista em levantadores de peso, os quais treinam com repetições mais baixas (normalmente abaixo de 6), este tipo de hipertrofia manifesta-se morfologicamente como um aumento da densidade miofibrilar (aumento do tamanho do volume das miofibrilas) sem um aumento correspondente das demais organelas, desta forma há um ganho mais significativo de força.
Em princípio este
parágrafo
está de acordo com o senso comum... mas onde se comprova que isso é
verdade?
Onde se explica isso de forma convincente?
A divisão de
hipertrofia em
dois tipos é um dogma tão antigo e repetido que já é aceito como verdade
absoluta, porém esta visão simplista não encontra fundamentos e em
grande parte
de suas bases colide fortemente com as descobertas e conceitos
científicos
atuais.
Densidade de
organelas
Pesquisadores da
Universidade
de McMaster (Canadá) realizaram um estudo para verificar as alterações
nas
fibras musculares em resposta a diferentes tipos de treino. A amostra
era
composta por 4 grupos: atletas de força (levantadores de peso e
fisiculturistas), atletas de endurance (maratonistas), pessoas ativas
(esportes
recreativos) e sedentários, a análise envolveu tanto fibras tipo I
quanto tipo
II do tríceps sural. De acordo com os resultados as fibras musculares
eram 2,5-
1,7- e 1,6 vezes maiores em atletas de força, atletas de endurance e
pessoas
ativas, respectivamente, em relação ao grupo controle. Apesar desta
grande
diferença de tamanho, os volumes relativos do reticulo sarcoplasmático,
sarcoplasma e miofibrilas eram iguais em todos os grupos e entre os dois
tipos
de fibra. De todas as organelas estudadas a única que mostrou ter sua
quantidade
relativa alterada foi a mitocôndria. Ou seja, independente da fibra
muscular ser
de um atleta de força ou endurance, independente das fibras serem tipo I
ou tipo
II, todas elas possuíam cerca de 81% de densidade miofibrilar e 11% de
volume de
líquido sarcoplasmático. Ora, se a suposição é que o treino de força com
cargas
elevadas aumente a densidade miofibrilar e reduza o volume de líquido
sarcoplasmático, seria de se esperar que os atletas de endurance
possuíssem
densidade miofibrilar reduzida e maior volume relativo líquido, assim
como
poderia se esperar que esta relação fosse diferente entre os dois tipos
de
fibra, porém nenhuma das suposições se confirmou.
Músculo cardíaco
A diferença na
alteração da
densidade miofibrilar é comumente verificada em corações de animais
(MEDUGORAC,
1976), mas mesmo nesses casos ainda há controvérsias, com alguns estudos
verificando o contrário (MATTFELDT et al, 1986; EVERETT et al 1975). A
diferença
pode estar no protocolo empregado, pois a maioria dos estudos que
verificaram
alterações nas densidades dos componentes ultraestrutturais induziram
condições
patológicas ou foram feitos em corações com degenerações patológicas
(FITZL et
al, 1998), enquanto os outros utilizaram um programa de exercícios mais
equilibrado.
A ocorrência de uma
"hipertrofia sarcoplasmática" como condição patológica também foi
verificada em
corações humanos hipertrofiados em razão de uma patologia na válvula da
aorta,
onde constatou-se que as células destas pessoas possuíam menor densidade
miofibrilar e maior volume de liquido sarcoplasmático (SCHAPER et al,
1981)
Estudos longitudinais
parecem
corroborar com os resultados do grupo de ALWAY. Em 1986 BRZANK &
PIEPER
submeteram um grupo de estudantes a 5 semanas de treinamento de força
explosiva,
obtendo hipertrofia das fibras tipo I (20%) e tipo II (24%). Porém os
autores
verificaram que o aumento da secção transversa não é relacionado a
nenhuma
mudança na proporção dos volumes dos componentes celulares (miofibrilas e
sarcoplasma). Estes autores inclusive fazem uma afirmação controversa:
"ao
contrário de atletas de endurance e pessoas não treinadas, os atletas de
potência mostram maiores valores de densidade de volume sarcoplasmático
em suas
fibras musculares", ou seja, justamente o contrário do que se prega.
WANG et al (1993)
realizaram um
estudo mais longo que o anterior. Nesta pesquisa se utilizou um treino
de força
com altas repetições por 18 semanas e obteve-se aumento tanto do volume
absoluto
das miofibrilas quanto do volume intermiofibrilar sem, no entanto,
ocorrerem
alterações nos seus volumes relativos, levando os autores a concluir que
o
treino de repetições elevadas ocasiona um aumento dos componentes da
fibra
muscular proporcional ao aumento da própria fibra.
Existe um estudo
produzido por
pesquisadores da Universidade McMaster (Canadá) que por vezes é citado
como base
para a diferenciação da hipertrofia em dois tipos. Nesta pesquisa
comparou-se
amostras retiradas do tríceps braquial de um grupo de atletas que
possuíam
elevados níveis de hipertrofia (fisiculturistas e levantadores de peso)
com
pessoas que praticavam musculação há 6 meses. De acordo com os
resultados, o
volume miofibrilar era significativamente menor (73,2% em comparação com
82,5%)
e o volume citoplasmático maior (24,1% contra 14,8%) em atletas de força
do que
pessoas que treinam há 6 meses.
Porém há um pequeno
detalhe
nesta pesquisa: dos sete atletas da amostra, seis afirmaram estar usando
ou
terem usado esteróides anabólicos androgênicos regularmente, enquanto
ninguém do
grupo controle o fazia. Neste estudo os autores ficaram surpresos com
"anormalidades" como: grande número de núcleos no centro da célula (os
núcleos
normalmente ficam na periferia), proliferação de tecido gorduroso e
aumento
anormal do espaço citoplasmático. Uma das hipóteses sugeridas pelos
autores é
que o uso de esteróides ocasionou tais efeitos, assim como ocasionou a
retenção
de fluídos, (fato já verifica em animais por APPELL et al, 1983) o que
por sua
vez dissolveu as proteínas miofibrilares. É interessante notar que o
volume
miofibrilar encontrado nesse estudo é expressivamente baixo em relação
às demais
pesquisas feitas (mesmo em pesquisas feitas na mesma Universidade e com
os mesmo
autores), mais um fato que gera espanto e impulsiona as conclusões para
uma
condição patológica.
A questão da
diferenciação de
hipertrofia, desta forma estaria associada a uma condição patológica e
não
meramente a uma adaptação corriqueira de treinos diferenciados.
Como a densidade
se
mantém constante
A densidade constante
dos
componentes protéicos pode estar relacionada também à densidade do
número de
núcleos, pois quando uma fibra hipertrofia há um aumento compensatório
no número
de núcleos, tendo em vista a aparente necessidade de se manter uma
determinada
quantidade de material genético para atender as necessidades da célula
(ROLAND
et al, 1999; KADI & THORNELL, 2000). Isto nos leva a especular que o
aumento
proporcional de material genético origine uma manutenção da densidade
das
organelas em um segundo momento. HUBBARD et al (1975) encontraram um
interessante padrão temporal de hipertrofia em seu estudo:
1) aumento do material genético;
2) aumento das proteínas sarcoplasmáticas (praticamente concomitante com o anterior)
3) aumento da densidade das proteínas miofibrilares.
O único componente que foge a esta
densidade
constante é a mitocôndria tendo em vista sua relativa independência
genética e
capacidade autônoma de se multiplicar (há inclusive a suposição que a
mitocôndria seja um ser vivo em simbiose com nossas células).
De onde vem as
adaptações diferenciadas em razão dos diferentes tipos de treino?
A resposta
provavelmente reside
nos diversos pontos comprovadamente diferentes entre pessoas treinadas
em força
ou resistência e relacionados à performance em tarefas específicas (isto
pode
ser verificado de forma mais completa em bons livros e artigos de
treinamento),
diante dos quais chega a ser ingênuo atribuir os maiores ganhos de força
em
atletas que treinam com repetições baixas a uma alteração morfológica
fictícia.
Dentre os fatores já verificados podemos citar os seguintes:
Ganhos de força
(ALWAY
et al, 1988; SALE et al, 1983; KAMEN et al, 1983; MILNER-BROWN et al,
1975;
MAUGHAN et al, 2000):
- - Coordenação inter e intra-muscular
- - Bomba de cálcio
- - Atividade da ATPase
- - Velocidade de condução do impulso nervoso
- - Sincronização de unidades motoras...
Ganhos na resistência
(MACDOUGALL et al
,1979; LUTHI et al, 1986; TESCH et al, 1984; MAUGHAN
et al,
2000).
- - Volume de mitocôndrias
- - Densidade capilar.
- - Atividade de enzimas oxidativas e glicolíticas e outras...
Isto obviamente sem
falar de
condições genéticas que predispõem um indivíduo a ter maior capacidade
de
realizar força em determinados movimentos como: sistema de alavancas
favorável
(inserção de tendões, comprimento de membros...), estruturas
osteo-articulares
(capacidade de ossos e articulações em suportar carga...), vantangens
neurais
(espessura dos axônios, características da bainha de mielina...) e
outras. Desta
forma podemos concluir que a diferença entre um fisiculturista e e um
halterofilista, ou entre qualquer outros tipos de atleta de alto nível,
não é
somente em decorrência do treinamento, mas também em decorrência de sua
predisposição biológica.
Considerações
finais
A divisão de
hipertrofia em
dois tipos é um dogma tão antigo e repetido que já é aceito como verdade
absoluta, porém esta visão simplista não encontra fundamentos e em
grande parte
de suas bases colide fortemente com as descobertas e conceitos
científicos
atuais.
Esta divisão
provavelmente era
usada como artifício didático pelos soviéticos, os quais normalmente
mostram uma
visão sistêmica do treinamento, porém ao traduzir e transferir estes
conceitos
para a cultura ocidental, ele foi acomodado à nossa visão mecanicista e
fragmentada, tornado-se um conceito incrivelmente agradável para o
cartesianismo, porém totalmente contraditório com a visão sistêmica, e
sem
embasamento científico. O ser humano parece ter uma enorme propensão a
gostar de
explicações fáceis de obter e que ao mesmo tempo aparentam ser difíceis,
mesmo
que elas sejam erradas. Distinguir dois tipos de hipertrofia, dando-lhes
nomes
complexos certamente soa interessante e "técnico", porém uma mentira
repetida
mil vezes não se tornará verdade, por mais bonita e agradável que ela
possa
parecer.
Desta forma, até que
haja
provas convincentes da fragmentação morfológica da hipertrofia em dois
tipos (se
um dia houver), o mais sensato é esquecer este conceito e procurar
explicações
comprovadas e convincentes para os treinos.
Autor: Paulo Gentil
Graduado em Educação Física pela Universidade de Brasília.
Pós-graduado em Musculação e Treinamento de Força pela Gama Filho e em Fisiologia do Exercício pela Veiga de Almeida.
Presidente do Gease
Autor do livro Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia
Coordenador de musculação da Academia Resistência Física
Treinador de força da triatleta Mariana Ohata
Treinador da equipe profissional do Gama de basquete
Graduado em Educação Física pela Universidade de Brasília.
Pós-graduado em Musculação e Treinamento de Força pela Gama Filho e em Fisiologia do Exercício pela Veiga de Almeida.
Presidente do Gease
Autor do livro Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia
Coordenador de musculação da Academia Resistência Física
Treinador de força da triatleta Mariana Ohata
Treinador da equipe profissional do Gama de basquete
Fonte: Saúde em Movimento
Legal esse assunto. :D
ResponderExcluirParabéns pelo blog.